Relato | Toni



Esta história remonta a 1970. Foi em Janeiro, num Benfica-Belenenses a contar para o campeonato. Chovia, o resultado continuava a zero e não estávamos a jogar nada. O árbitro, o já falecido João Nogueira, de Setúbal, tinha mostrado o vermelho a dois jogadores do Benfica, o José Torres e o Malta da Silva, e tudo isto contribuía para o descontentamento dos nossos adeptos. Até que, depois de mais uma decisão polémica do árbitro, vi alguns adeptos invadirem o campo e correrem em direcção ao árbitro, que estava perto de mim. Nisto, gritei para ele “fuja, porque senão ainda o matam!”, e corremos para o túnel de acesso aos balneários juntamente com o Estêvão, jogador do Belenenses, que também tentava proteger o árbitro da ira dos adeptos. Apesar da nossa protecção, ainda o conseguiram atingir com guarda-chuvas. Tal como a mim, que também levei com alguns por ir tão perto dele. Foi uma corrida de cerca de 100 metros até chegarmos ao túnel de acesso às cabinas, onde ele estaria a salvo.

A imprensa do dia seguinte louvava a nossa atitude e o Diário de Lisboa reproduzia as declarações do árbitro: “graças ao Toni ainda estou vivo!”. A minha acção foi espontânea, tanto eu como o Estêvão percebemos a gravidade da situação e que o árbitro corria riscos. E a Direcção-Geral dos Desportos, através do Dr. Armando Rocha, reconheceu o nosso gesto. As questões éticas relativas a este episódio não se compram no supermercado e o contributo que demos com este episódio é importante para mostrar que o desporto é um espaço para as pessoas se divertirem, dentro de valores que nos devem reger também na vida em sociedade.

Foi um episódio que teve repercussões no futebol português e no clube, que foi punido com oito jogos de suspensão, passámos a jogar no Estádio Nacional. Em 1970 não havia vedações nos campos e a partir deste jogo foram implementadas acções que vieram aumentar a segurança nos estádios, que passaram a ter uma protecção à volta do relvado. Tudo isto numa época em que não fomos campeões. Aliás, no primeiro jogo no Estádio Nacional perdemos com a CUF e o senhor Otto Glória deixou o clube. O José Augusto foi promovido a treinador e acabámos por ganhar 3-1 ao Sporting na final da Taça, foi o que se aproveitou nessa época.


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Trocou a Académica pelo Benfica, onde foi campeão nacional por dez vezes, as duas últimas já como treinador. Nessa função tem trabalhado pelo mundo, mais recentemente no Tractor, do Irão.



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